quarta-feira, 26 de março de 2014

Eu Ouço-Me



O mundo em que vivemos é composto por pensamentos nossos e dos outros, emoções nossas e dos outros, crenças, conceitos, etc. Imaginemos que cada um desses pensamentos, emoções, crenças, são formas abstractas de cores variadas que existem à nossa volta, formando uma grande nuvem de cores. Quando escolhemos pensar, sentir de determinada forma, acreditar em algo, é como se agarrássemos uma dessas formas e as colassemos a nós, porque nos identificamos com ela, como se se tratasse de uma peça de roupa que nos agrada e que escolhemos vestir. Todos nós conseguimos perceber, sem ter consciência, todas essas formas à nossa volta e nos outros, os pensamentos, emoções, crenças, etc, alheios. Só que o que acontece é que os confundimos como se fossem nossos, porque não percebemos o que é nosso e o que é do outro. Como não temos consciência deste mundo paralelo, não conseguimos discriminar quem pensa o quê, quem sente o quê. Simplesmente surgem-nos esses pensamentos, emoções e identificamo-los como nossos.
Em locais onde se reune muita gente, como por exemplo, as cidades, sentimos que o ambiente está mais carregado dessas formas, tornando o dia-a-dia mais confuso, e somos mais influenciáveis por todas essas formas abstractas, pensamentos, emoções, etc. Só quando recorremos a locais na natureza, mais desertos, é que encontramos um maior silêncio, que nos ajuda a perceber o que é realmente nosso.

Uma outra forma de alcançar esse estado de silêncio é através da meditação. O objectivo de meditar é silenciar o ruído externo, todos esses pensamentos, emoções, etc, que vêm do exterior, e voltarmo-nos para dentro, para o nosso Eu interno e o ouvirmos. Entrarmos em contacto com o que é realmente nosso.

Uma parte de nós vive focada no mundo exterior. Desenvolveu esta forma de estar porque apenas aprendeu a ir buscar amor, energia, fora de si, nos outros. Habituou-se a preencher as necessidades dos outros em troca de atenção e de amor, em detrimento das suas próprias necessidades. Só que isso torna-nos completamente dependentes dos outros e do pouco que nos podem dar para nos sentirmos bem connosco. Nem sempre os outros têm a capacidade de nos agradecer isso, de nos dar em troca o que esperamos deles. O voltarmo-nos para dentro, para nós, para ouvirmos as nossas necessidades é uma grande mudança de foco na nossa vida. Só assim podemos estar em contacto com as nossas emoções, sentimentos, de forma a preenchê-los, a satisfazê-los. Enquanto esta mudança de foco não acontecer na nossa vida, vivemos em favor dos outros, esquecendo-nos de nós próprios e vivemos insatisfeitos. E para preenchermos esse vazio, recorremos a todo o tipo de escapes, de vícios, tais como a comida, o álcool, o tabaco, a droga, etc.

Porque é tão importante ouvir as nossas emoções e necessidades?

Porque só assim podemos encontrar estabilidade e equilíbrio emocional, tranquilidade interior. Só quando estas necessidades estiverem satisfeitas, poderemos estar calmos o suficiente, para sabermos o que queremos da nossa vida e fazer as escolhas certas. Enquanto não alcançarmos este estado, todas as escolhas são baseadas em pensamentos e crenças alheios, em visões de vida dos outros, que nem sempre nos servem, nem sempre nos fazem felizes, nem sempre estão alinhadas com o nosso próprio coração.

Quando temos desordens alimentares, isto é, não temos uma alimentação saudável, é porque estamos a comer para preencher um vazio. A origem desse vazio é uma necessidade que não está a ser satisfeita, que não a estamos a ouvir. E por isso recorremos a todo o tipo de alimentos para preencher esse vazio o mais rápido possível. Por isso surgem distúrbios alimentares. A solução não passa por apenas fazer dieta ou reeducar a alimentação, e sim, aprender a ouvirmo-nos, a ouvir e a dar atenção às nossas reais necessidades. Só assim, estas podem ser realmente satisfeitas.

Quando andamos dispersos e mentalmente agitados é porque não estamos a dar atenção às nossas necessidades internas, a ouvir as nossas emoções e sentimentos, e buscamos fora de nós algo para preencher o vazio que sentimos, o mais rápido possível. Fugimos do que sentimos. Quanto maior a fuga, maior a agitação. Mas como não nos ouvimos, não estamos a preencher esse vazio com o que realmente nos satisfaz. Estamos simplesmente a ignorar essas necessidades e não as satisfazemos como é devido. E por isso, elas mantêm-se sempre insatisfeitas, sempre pedindo mais, inquietas. A única forma de acalmá-las é dar-lhes o devido alimento. E para isso, é preciso ouvi-las.

As próprias doenças que desenvolvemos são sinais de alerta do nosso corpo para lhe darmos atenção, para o ouvirmos. Quando não o ouvimos ao mais pequeno sinal, ele desencadeia doenças mais graves, para chamar a nossa atenção, até que tomemos a decisão de o ouvir, de ouvir e de preencher as suas necessidades.

Quando não nos ouvimos, não ouvimos e não damos atenção às nossas necessidades, emoções, sentimentos, projectamos isso no mundo à nossa volta – que é um reflexo do nosso mundo interno – e atraimos pessoas que não nos ouvem, não nos dão a atenção que queremos, ou atraimos situações em que não nos sentimos ouvidos, e por isso até podemos sentir necessidade de falar mais alto, de gritar até. No fundo, é uma reacção instintiva: “Eu grito para me ouvir a mim próprio, porque não me estou a ouvir o suficiente, não estou a ouvir as minhas necessidades, as minhas emoções, os meus sentimentos.”

Por termos nascido numa sociedade que não valoriza as emoções e sentimentos, e que deu sempre maior importância à razão, ao que é lógico, muitos de nós não sabemos lidar com as nossas emoções, necessidades, sentimentos. E por isso fugimos deles. Porque não os conseguimos controlar. É uma energia instável, que não conseguimos lidar com, porque crescemos habituados a medir tudo, a racionalizar tudo, a controlar tudo. E principalmente aprendemos a ir buscar a informação fora de nós, não dentro de nós. Não aprendemos a ouvir-nos.
É importante perceber que se as emoções, necessidades, sentimentos, existem é porque eles têm a sua função, o seu objectivo. Ignorá-los é ignorar uma parte de nós, que é tão importante para sermos felizes.
Isto acontece porque muitos de nós, por terem passado por emoções negativas, em que sofreram muito, recusam-se a sentir. Só que isso também não lhes permite sentir alegria, felicidade, paixão, amor. É como fechar num baú a capacidade de sentir. Seria como não sentir nem tristezas nem alegrias. Seria como não ter uma bússola para a nossa realização pessoal. São as próprias emoções que nos permitem descobrir o caminho que nos faz feliz. Sem elas não alcançariamos esse estado de felicidade, de alegria.  

Aprender a ouvirmo-nos, a respeitar o nosso mundo interior, a alimentá-lo como ele precisa, a ouvir e a satisfazer as nossas necessidades, a dar atenção às nossas emoções e sentimentos, é uma das maiores mudanças que podemos fazer na nossa vida. Só assim nos silenciamos internamente e encontramos tranquilidade e estabilidade emocional. Só assim podemos nos ouvir e perceber a direcção de vida que o nosso coração quer que sigamos. Só assim podemos abrir o nosso coração para sentir amor.

Sandra Duarte




I Listen to Myself


The world we live in is made of our own thoughts and others, our own emotions and others, beliefs, concepts, etc. Imagine that each one of those thoughts, emotions, beliefs, are abstract shapes of different colors that exist around us, forming a large cloud of colors. When we choose to think, feel in a certain way, belief in something, it’s as if we grabbed one of those shapes and attached it to us, because we identify ourselves with it, as if it was a piece of clothing that pleases us and we choose to wear. We all can perceive, without being concious, all those shapes around us and others, thoughts, emotions, beliefs, etc, of others. What happens is that we get confused as if they were ours, because we don’t realize what is ours and what is others. Because we are not aware of this parallel world, we are not able to distinguish who thinks what and who feels what. These thoughts, emotions simply arise and we identify them as ours.
In places that gather a lot of people, such as cities, we feel the environment is more loaded with these shapes, making the day-to-day life more confusing, and we get more easily influenced by all those abstract shapes, thoughts, emotions. Only when we go to places in nature, more deserted, that’s when we find a greater silence, which helps us to realize what is really ours.

Another way to achieve that state of silence is through meditation. The purpose of meditating is to silence external noise, all those thoughts, emotions, etc, that come from the outside, and turn ourselves inwards, to our internal I and listen to it. We get in touch with what is truly ours.

A part of us lives focused in the external world. It developed this way of being because it learned to get love, energy, only outside itself, in others. It became used to fill other people’s needs in exchange for attention and love, at the expense of its own needs. But that makes us completely dependent on others and on the little they can give us so we feel good about ourselves. Others don’t always have the ability to thank us for that, to give us what we expect in return. Turning inwards, to ourselves, listening to our own needs is a great change of focus in our life. Only then can we get in touch with our emotions, feelings, in order to fill them, to satisfy them. While this change of focus doesn’t occur in our life, we live for others, forgetting of ourselves, and living unsatisfied. And to fill that void, we turn ourselves to all kinds of escapes, of addictions, such as food, alcohol, smoking, drugs, etc.

Why is it so important to listen to our emotions and needs?

Because only then can we find emotional stability and balance, inner tranquility. Only when those needs are satisfied, can we be calm enough to know what we want from our life and to make the right choices. While we don’t reach that state, all choices are based in thoughts and beliefs of others, in the visions of life of others, that don’t always serve us, that don’t always make us happy, that aren’t always aligned with our own heart.

When we have eating disorders, this is, when we don’t have a healthy diet, that’s because we’re eating to fill a void. The source of this void is a need which isn’t being satisfied, that we’re not listening to. And because of that we turn to all sorts of food to fill that void as fast as possible. So eating disorders arise. The solution isn’t just dieting or reeducating eating, and yes, listening to ourselves, listening and giving attention to our real needs. Only then, these can be truly satisfied.

When we’re scattered and mentally agitated it’s because we’re not paying attention to our inner needs, listening to our emotions and feelings, and we seek outside ourselves something to fill that void we feel, as fast as possible. We run from what we feel. The bigger the escape, the greater the agitation. But because we don’t listen to ourselves, we’re not filling that void with what really satisfy us. We’re simply ignoring those needs and we’re not satisfying them as we should. And therefore, they remain unsatisfied, always asking for more, restless. The only way to calm them is to give them the proper nourishment. And for that, we need to listen to them.

The very diseases we develop are warning signs of our body to give it attention, to listen to it. When we don't listen to the slightest sign, it triggers more serious illnesses to call our attention, until we make the decision to listen to it, to listen and to fill its needs.

When we don’t listen to ourselves, don’t listen and don’t pay attention to our needs, emotions, feelings, we project that on the world around us – which is a reflection of our inner world – and we attract people who don’t listen to us, don’t give us the attention we want, or attract situations in which we don’t feel listened to, and therefore we may feel we need to speak louder, to even yell. Basically, it’s an instinctive reaction: “I yell to listen to myself, because I’m not listening to myself enough, I’m not listening to my needs, my emotions, my feelings.”

By being born in a society that doesn’t value emotions and feelings, and that always gave more importance to reason, to what’s logic, many of us don’t know how to deal with our emotions, needs, feelings. And therefore we run from them. Because we can’t control them. It’s an unstable energy, which we can’t deal with, because we grew up, used to measuring everything, rationalizing everything, controlling everything. And mostly, we learned to seek information outside us, not inside us. We didn’t learn listening to ourselves.
It’s important to realize that if emotions, needs, feelings, exist it’s because they have a function, a purpose. To ignore them is to ignore a part of us which is so important to be happy. This is because many of us have gone through negative emotions that made them suffer a lot, refusing themselves to feel. But that also doesn’t allow them to feel joy, happiness, passion, love. It’s like locking in a trunk the ability to feel. It would be like not feeling nor sadness nor joy. It would be like not having a compass to our personal achievement. It’s our own emotions that allow us to discover the path that makes us feel happy. Without them we couldn’t achieve that state of bliss, of joy.

Learning to listen to ourselves, to respect our inner world, to nourish it as it needs, to listen and to satisfy our needs, to give attention to our emotions and feelings, is one of the major changes we can make in our life. Only then can we silence ourselves internally and find tranquility and emotional stability. Only then can we listen to ourselves and perceive the direction of life that our heart wants us to follow. Only then can we open our heart to feel love.


Sandra Duarte




quinta-feira, 13 de março de 2014

Fases da Vida




Cada um de nós, à medida que vai crescendo, vai passando por várias fases, desde a altura em que estamos a ser formados no ventre da nossa mãe, à criança de 5 anos, à adolescência, à idade adulta, à terceira idade. Somos constituídos por várias partes que vão amadurecendo conforme as experiências por que vamos passando. Mas acontece que nem todas essas partes têm a mesma idade, isto é, nem todas correspondem à nossa actual idade. Há partes de nós que ficaram perdidas no tempo, que permanecem crianças ou adolescentes, com 3 ou 5 anos, com 16 anos, com 25 anos, etc. Porque isto acontece? Porque não conseguiram amadurecer, isto é, entender a experiência. Ficaram presas no tempo a uma perspectiva da qual não conseguiram sair. É por isso que na idade adulta, muitos de nós, sem dar por isso, temos reacções de criança. Ou agimos como adolescentes. Todos nós temos um pouco disto. Só quando fazemos um processo de desenvolvimento é que temos a oportunidade de reconhecer isto e ajudar esta parte de nós perdida a crescer.

Estas partes que estão presas podem existir desde o momento em que estamos no ventre da mãe. A própria gravidez é já um processo de experiência para o ser que se forma. É aqui que começamos a ser programados pelos pensamentos e sentimentos da mãe e do mundo à volta dela, como ela o percepciona. Nem toda a informação que recebemos é genética, uma outra parte é recebida pela vivência da mãe. Os seus medos e inseguranças, as emoções e sentimentos que ela experiencia, o olhar dela do mundo, os seus pensamentos, etc, tudo é-nos passado nessa fase. O primeiro ser com o qual nos relacionamos, comunicamos, estabelecemos um elo, é a nossa própria mãe e é importante que isso se faça em boas condições. É aqui que vamos experimentar como é sermos cuidados, alimentados, amados, estar em segurança, ouvidos e entendidos. E é com ela que vamos aprender a cuidar, a alimentar, a amar, a dar segurança, a ouvir e a entender os outros.

O parto quando acontece é a primeira das mudanças. É aqui que nos preparamos para uma grande travessia e nem sempre é feita tranquilamente. As emoções e os pensamentos que a nossa mãe sente nesta fase são-nos passados e nos preparam para como vamos nos confrontar sempre que houver mudanças nas nossas vidas. Influencia também a forma como vamos lidar com a própria morte, dos outros e com a nossa. Se enfrentamos as mudanças e a morte com medo ou se confiamos, as aceitamos e nos deixamos fluir.

Na nossa infância nem sempre aceitamos bem o processo de aprendizagem. Cada um dos pais desempenha um papel na nossa vida. É com eles que vamos aprender a receber e a não receber, e isto nem sempre é feito equilibradamente. Quando nascemos na familia, toda a atenção é para nós. Habituamo-nos a receber amor através da dádiva do outro, da sua expressão de amor por nós. Mas nem sempre compreendemos quando nos é rejeitado algo, proibido, negado. E é aqui que muitos de nós ficamos presos. Não percebemos isso pois nos habituámos a ver amor no “dar” e não no “não dar”, na negação de algo. E vamos para a vida, crescendo a diversos níveis mas esta parte de nós que ficou presa àquela perspectiva que não entendeu, ficou com a mesma idade, imatura. E sempre que nos é negado algo, reagimos como uma criança com essa idade, choramos, fazemos birras. Qual a lição aqui? É aprender a ver amor na negação de algo, seja por alguém, seja pela própria vida. Qualquer negação de algo guarda no seu interior amor. É-nos negado algo que nos é prejudicial ou para o qual ainda não estamos preparados para receber. Só que estamos tão presos à associação de amor-dar, que não entendemos que amor-negação também é válido. Só quando percebemos isto, podemos nos pacificar com todas as vezes que nos foi negado algo, escolhendo ver amor em vez disso.

Muitos de nós não viveram a infância da melhor forma. Foram obrigados a crescer rapidamente, a ganhar responsabilidades cedo demais. E por isso, a sua parte de criança ficou por viver, experienciar, brincar. Inclusivé perderam o contacto com ela. Tornaram-se adultos sérios, responsáveis, que têm dificuldade em levar a vida de forma mais leve e brincalhona, e em fazer actividades de lazer para além do trabalho. Uma parte do seu processo passa por resgatar essa criança, fazerem as pazes com ela, cuidar dela, amá-la e deixá-la expressar-se criativamente, deixá-la brincar.

Expressar a nossa criança interna da melhor forma é o que nos torna felizes e de bem com a vida. É quando temos a liberdade para sonhar, de criar histórias, reais ou não, de desenvolver o nosso lado criativo, o nosso lado mais espontâneo. É esta parte que muitos de nós precisamos de resgatar para desenvolver a nossa criatividade, que é o motor que nos permite superar obstáculos e ver o mundo numa nova perpsectiva, de forma mais optimista. Ajuda-nos a nos focarmos no presente, tal como quando eramos crianças em que o tempo não passava e os problemas pareciam não existir, ou quando existiam, facilmente eram ultrapassados e esquecidos. Uma boa forma de recuperar esta parte de nós é simplesmente brincar com crianças. Elas lembram-nos rapidamente desta parte perdida. Só assim podemos nos esquecer temporariamente de quaiquer problemas, abrindo caminho para a parte de nós mais criativa. Quando isto acontece, quaisquer problemas podem ser facilmente superados. O nosso lado criativo é a ponte para alcançar uma perspectiva mais ampla, capaz de visionar a saída de problemas. E para isso precisamos de aceder ao mundo do sonho, tão fácil para as crianças.

Na adolescência é quando passamos por diversas transformações físicas, psicológicas e desenvolvemos a nossa relação connosco próprios e com um novo grupo, que não a familia. É quando a nossa identidade se está a formar. Precisamos de descobrir e conquistar o nosso próprio espaço. É a fase em que precisamos de descobrir a nossa liberdade, e por isso, o ser-se rebelde faz parte do processo. É a altura de questionar quem somos perante a familia, os valores, crenças, conceitos que adoptámos dela. Perceber o que queremos levar para a vida que aprendemos com os pais e o que não aceitamos mais continuar a ser. É um processo de revolução interna e é quando surgem mais discussões no meio familiar, que nem sempre aceita esta nova faceta de nós. É um processo de separação, distanciamento da familia, para descobrirmos quem somos para além dela. Quando esta fase não se processa da melhor forma, a parte de nós adolescente prolonga-se por mais tempo, isto é, fica presa no tempo, não amadurece. Faz com que na idade adulta, continuemos ainda em busca da nossa própria liberdade e independência, do nosso próprio espaço, da nossa identidade. Atraimos relações de amizade e amorosas com pessoas mais novas que se identificam com essa parte de nós que ainda tem a idade deles, ou ainda podemos atrair pessoas que sentimos que limitam e restringem a nossa liberdade.
É muito importante para os pais perceberem o que se passa e darem a liberdade necessária para que os seus filhos se conheçam, experienciem. Não deixarem de os acompanhar e orientar mas darem-lhes espaço para a descoberta de um novo Eu. Só assim poderão se tornar em adultos mais integrados e preparados para viver a fase seguinte.

Na idade adulta é quando estamos preparados para assumir compromissos e responsabilidades. É suposto sabermos o que queremos da vida, que projectos queremos realizar. É a fase de construção dos nossos sonhos, de definirmos estratégias para os realizarmos. Para que esta fase aconteça da melhor forma, seria bom que todas as outras fases anteriores estivessem amadurecidas, assimiladas, entendidas, resolvidas. Isto seria num mundo ideal. Não é o que acontece realmente. Só quando aceitamos fazer um trabalho interno connosco próprios e resgatar essas partes de nós perdidas no tempo é que é possível vivenciar a idade adulta de forma mais plena.

Na terceira idade já adquirimos algum distanciamento e sabedoria, já é suposto olharmos para a vida de forma mais desapegada e tranquila. É a fase da apreciação de tudo o que construimos. Mas também pode ser a fase em que nos arrependemos do que não se realizou, do que ficou por dizer, por fazer. Tudo depende de como se viveram as outras fases anteriores. É uma fase de aceitação e de pacificação interna com a vida que vivemos.

A forma como vivemos cada fase vai influenciar a forma como vivemos a nossa vida na idade adulta e como educamos os nossos filhos.
Se ficámos presos ao “não dar” e não aceitámos isto na nossa infância, provavelmente não nos permitimos a receber da vida, dos outros, e muitas oportunidades são desperdiçadas porque não nos sentimos merecedores delas, à altura das expectativas, ou podemos não saber rejeitar o que não é bom para nós porque queremos receber tudo de todos; ou podemos tentar dar tudo aos nossos filhos, não entendendo que isso só os vai prejudicar quando se tornarem adultos, transformando-os em adultos frustrados e insatisfeitos.
Se ficámos presos à adolescência porque não conseguimos conquistar a nossa liberdade pessoal, podemos vir a ter dificuldade em criar ligações mais íntimas com os outros porque temos muita necessidade de espaço ou não saberemos dar espaço aos outros; provavelmente vamos tentar ser amigos dos filhos, dando-lhes demasiada liberdade, tornando-os em adultos pouco responsáveis ou então, não lhes damos espaço suficiente para se descobrirem. Vivemos pelos extremos, adoptando uma posição numa determinada situação e o oposto noutra situação.

Quando libertamos estas partes de nós que estavam presas no tempo, as resgatamos, tomamos consciência delas e fazemos paz com a experiência, encontramos o meio-termo, o nosso ponto de equilíbrio, o nosso centro. Pacificamo-nos. Só assim nos poderemos tornar em adultos íntegros e coesos.
Viver cada uma das várias fases da nossa vida em pleno é essencial para a nossa realização interna, para o nosso sucesso e paz interior. Só assim poderemos olhar para trás e ficarmos satisfeitos connosco e com o que alcançámos. Só assim podemos chegar à nossa última fase e nos pacificarmos com tudo o que vivemos.


Sandra Duarte



Stages of Life


Each one of us, as it grows, passes through several stages, from the time we’re being formed in our mother’s womb, to the child of 5 years, to adolescence, to adulthood, to old age. We’re made by several parts that mature according to the experiences we go through. But it happens that not all those parts have the same age, this is, not all of them correspond to our present age. There are parts of us that were lost in time, remaining children or teenagers, with 3 or 5 years old, with 16 years old, with 25 years old, etc. Why does this happen? Because they failed to mature, this is, to understand the experience. They were trapped in time to a perspective from which they couldn’t get out of. That’s why in adulthood, many of us, without realizing, have childlike reactions. Or act like teenagers. We all have a little of this. Only when we go through a development process we have the opportunity to acknowledge this and assist this part of us which is lost to grow.

These parts that are trapped may exist since the moment we’re in our mother’s womb. Pregnancy itself is already an experience process for the being that is being formed. This is where we begin to be programmed by our mother’s thoughts and feelings and of the world around her, how she perceives it. Not all the information we receive is genetic, another part is received through our mother’s experience. Her fears and insecurities, emotions and feelings as she experiences, her view of the world, her thoughts, etc, all is passed to us in that stage. The first being, with whom we relate to, communicate, establish a bond, is our own mother and it’s important that this is done in good conditions. This is where we will experience how it is to be cared, nourished, loved, be safe, listened to and understood. And it’s with her we learn to take care, to nourish, to love, to provide safety, to listen and understand others.

The delivery, when it occurs, is the first of changes. This is where we prepare ourselves for a great crossing and this isn’t always done peacefully. The emotions and thoughts that our mother feels in this stage are passed to us and prepare us for how we will confront ourselves whenever there are changes in our lives. It also influences us on how we deal with death itself, others and our own. If we face changes and death with fear or if we trust, accept and let ourselves flow with it.

In our childhood we don’t always accept well the learning process. Each one of the parents plays a role in our life. It’s with them we learn to receive and to not receive, and this is not always done evenly. When we’re born into a family, we receive all the attention. We get used to receiving love through the gift of another, its expression of love for us. But we don’t always understand when something is rejected, forbidden, denied to us. And this is where many of us get trapped. We don’t understand that because we got used to seeing love in the “giving” and not in the “not giving”, in the denial of something. And we go to life, growing at different levels but that part of us that got trapped to that perspective which we didn’t understand, remained with the same age, immature. And whenever we’re denied something, we react like a child at that age, we cry, we have tantrums. What is the lesson here? It’s to learn to see love when something is denied to us, either by someone whether by life itself. Any denial of something holds love inside. We’re denied something that is harmful to us or which we are not yet prepared to receive. But we’re so trapped to the association of love-giving, that we don’t understand that love-denial is also valid. Only when we acknowledge this, we can pacify ourselves to all the times we were denied something, choosing to see love instead.

Many of us didn’t live childhood in the best way. They were forced to grow rapidly, to gain responsabilities too soon. And because of that, their child part remained unlived, without experiencing, without playing. They even lost touch with it. They became serious adults, responsible, who have difficulty in living life in a more lightweight and playful way, and in doing leisure activities beyond work. A part of their process involves rescuing that child, make peace with it, love it and let it express itself creatively, let it play.

To express our inner child in the best way is what makes us happy and good about life. That’s when we have the freedom to dream, to create stories, real or not, to develop our creative side, our more spontaneous side. This is the part that many of us need to rescue to develop our creativity, which is the engine that allows us to overcome obstacles and see the world in a new perspective, in a more optimistic way. It assists us in focusing ourselves on the present, like when we were children when time didn’t pass by and problems didn’t seem to exist, or when they did, they easily were overcome and forgotten. A good way to recover this part of us is to simply play with children. They remind us rapidly of this lost part. Only then we can forget temporarily any problems, opening the way to the more creative part of us. When this happens, any problems may be easily overcome. Our creative side is the bridge to achieve a wider perspective, capable of envisioning the way out of problems. And for that we need to access the world of dreams, so easy for the children.

Adolescence is when we go through various physical, psychological changes and when we develop our relationship with ourselves and with a new group other than the family. That’s when our identity is being formed. We need to discover and conquer our own space. That’s the stage where we need to discover our freedom, and that’s why being rebelious is part of the process.  It’s the time to question who we are before the family, the values, beliefs, concepts we adopted from it. To realize what we want to take to life that we learned with our parents and what we don’t accept to be anymore. It’s a process of internal revolution and that’s when more arguings come up in the family environment, which doesn’t always accept this new side of us. It’s a process of separation, detachment from the family, to discover who we are beyond it. When this stage doesn’t process in the best way, the adolescent part of us extends for a longer time, this is, remains trapped in time, it doesn’t mature. It causes, in adulthood, for us to keep searching for our own freedom and independence, for our own space, for our identity. We attract friendships and love relationships with younger people who identify with that part of us that still has their age, or even attract people we feel they limit and restrict our freedom.
It’s very important for the parents to understand what’s going on and give the necessary freedom for their children to know and experience themselves. Not to stop following and orienting them but to give them space to discover a new I. Only then may they become more integrated adults and prepared to live the next stage.

In adulthood is when we’re prepared to make commitments and take responsabilities. We’re supposed to know what we want from life, what projects we want to accomplish. It’s the stage for building our dreams, to define strategies to accomplish them. For this stage to occur in the best way, it would be good if all previous stages were mature, digested, understood, resolved. This would be in an ideal world. It’s not what really happens. Only when we accept doing an internal work with ouselves and rescue those parts of us lost in time, that’s when it’s possible to live adulthood in a more fully way.

In old age we already acquired some detachment and wisdom, we’re supposed to look at life in a more detached and peaceful way. It’s the stage of appreciation of all we built. But it may also be the stage where we regret of all that we didn’t accomplish, of what was left to say, to do. All depends of how all the previous stages were lived. It’s a stage of acceptance and of inner pacification with the life we lived.

The way we live each stage will influence the way we live our life in adulthood and how we raise our children.
If we were trapped in the “not giving” and we didn’t accept that in our childhood, probably we don’t allow ourselves to receive from life, from others, and many opportunities are wasted because we don’t feel worthy of them, up to the expectations, or we may not know how to reject what isn’t good for us because we want to receive everything from everyone; or we may try to give everything to our children, not understanding that it will harm them when they become adults, turning them into frustrated and unsatisfied adults.
If we were trapped to adolescence because we couldn’t conquer our personal freedom, we may have difficulty in creating deeper connections with others because we have a great need of space or we may not know how to give space to others; probably we will try to be friends with our children, giving them too much freedom, turning them into less responsible adults or then, not giving them enough space to discover themselves. We live through extremes, adopting a position in a certain situation and the opposite one in another situation.

When we free these parts of us that were trapped in time, rescue them, gain consciousness of them and make peace with the experience, we find the middle ground, our point of equilibrium, our centre. We pacify ourselves. Only then may we become whole and cohesive adults.
Living each one of the various stages of our life in full is essential for our internal accomplishment, for our inner success and peace. Only then can we look back and be satisfied with ourselves and what we’ve accomplished. Only then can we reach our last stage and pacify ourselves with what we lived.


Sandra Duarte