Estas partes que estão
presas podem existir desde o momento em que estamos no ventre da mãe. A própria
gravidez é já um processo de experiência para o ser que se forma. É aqui que
começamos a ser programados pelos pensamentos e sentimentos da mãe e do mundo à
volta dela, como ela o percepciona. Nem toda a informação que recebemos é
genética, uma outra parte é recebida pela vivência da mãe. Os seus medos e
inseguranças, as emoções e sentimentos que ela experiencia, o olhar dela do
mundo, os seus pensamentos, etc, tudo é-nos passado nessa fase. O primeiro ser
com o qual nos relacionamos, comunicamos, estabelecemos um elo, é a nossa
própria mãe e é importante que isso se faça em boas condições. É aqui que vamos
experimentar como é sermos cuidados, alimentados, amados, estar em segurança, ouvidos
e entendidos. E é com ela que vamos aprender a cuidar, a alimentar, a amar, a
dar segurança, a ouvir e a entender os outros.
O parto quando acontece é a
primeira das mudanças. É aqui que nos preparamos para uma grande travessia e
nem sempre é feita tranquilamente. As emoções e os pensamentos que a nossa mãe
sente nesta fase são-nos passados e nos preparam para como vamos nos confrontar
sempre que houver mudanças nas nossas vidas. Influencia também a forma como
vamos lidar com a própria morte, dos outros e com a nossa. Se enfrentamos as
mudanças e a morte com medo ou se confiamos, as aceitamos e nos deixamos fluir.
Na nossa infância nem
sempre aceitamos bem o processo de aprendizagem. Cada um dos pais desempenha um
papel na nossa vida. É com eles que vamos aprender a receber e a não receber, e
isto nem sempre é feito equilibradamente. Quando nascemos na familia, toda a
atenção é para nós. Habituamo-nos a receber amor através da dádiva do outro, da
sua expressão de amor por nós. Mas nem sempre compreendemos quando nos é
rejeitado algo, proibido, negado. E é aqui que muitos de nós ficamos presos.
Não percebemos isso pois nos habituámos a ver amor no “dar” e não no “não dar”,
na negação de algo. E vamos para a vida, crescendo a diversos níveis mas esta
parte de nós que ficou presa àquela perspectiva que não entendeu, ficou com a
mesma idade, imatura. E sempre que nos é negado algo, reagimos como uma criança
com essa idade, choramos, fazemos birras. Qual a lição aqui? É aprender a ver
amor na negação de algo, seja por alguém, seja pela própria vida. Qualquer
negação de algo guarda no seu interior amor. É-nos negado algo que nos é prejudicial
ou para o qual ainda não estamos preparados para receber. Só que estamos tão presos
à associação de amor-dar, que não entendemos que amor-negação também é válido.
Só quando percebemos isto, podemos nos pacificar com todas as vezes que nos foi
negado algo, escolhendo ver amor em vez disso.
Muitos de nós não viveram a
infância da melhor forma. Foram obrigados a crescer rapidamente, a ganhar
responsabilidades cedo demais. E por isso, a sua parte de criança ficou por
viver, experienciar, brincar. Inclusivé perderam o contacto com ela.
Tornaram-se adultos sérios, responsáveis, que têm dificuldade em levar a vida
de forma mais leve e brincalhona, e em fazer actividades de lazer para além do
trabalho. Uma parte do seu processo passa por resgatar essa criança, fazerem as
pazes com ela, cuidar dela, amá-la e deixá-la expressar-se criativamente,
deixá-la brincar.
Expressar a nossa criança
interna da melhor forma é o que nos torna felizes e de bem com a vida. É quando
temos a liberdade para sonhar, de criar histórias, reais ou não, de desenvolver
o nosso lado criativo, o nosso lado mais espontâneo. É esta parte que muitos de
nós precisamos de resgatar para desenvolver a nossa criatividade, que é o motor
que nos permite superar obstáculos e ver o mundo numa nova perpsectiva, de
forma mais optimista. Ajuda-nos a nos focarmos no presente, tal como quando
eramos crianças em que o tempo não passava e os problemas pareciam não existir,
ou quando existiam, facilmente eram ultrapassados e esquecidos. Uma boa forma
de recuperar esta parte de nós é simplesmente brincar com crianças. Elas
lembram-nos rapidamente desta parte perdida. Só assim podemos nos esquecer
temporariamente de quaiquer problemas, abrindo caminho para a parte de nós mais
criativa. Quando isto acontece, quaisquer problemas podem ser facilmente
superados. O nosso lado criativo é a ponte para alcançar uma perspectiva mais
ampla, capaz de visionar a saída de problemas. E para isso precisamos de aceder
ao mundo do sonho, tão fácil para as crianças.
Na adolescência é quando
passamos por diversas transformações físicas, psicológicas e desenvolvemos a
nossa relação connosco próprios e com um novo grupo, que não a familia. É
quando a nossa identidade se está a formar. Precisamos de descobrir e
conquistar o nosso próprio espaço. É a fase em que precisamos de descobrir a
nossa liberdade, e por isso, o ser-se rebelde faz parte do processo. É a altura
de questionar quem somos perante a familia, os valores, crenças, conceitos que
adoptámos dela. Perceber o que queremos levar para a vida que aprendemos com os
pais e o que não aceitamos mais continuar a ser. É um processo de revolução
interna e é quando surgem mais discussões no meio familiar, que nem sempre
aceita esta nova faceta de nós. É um processo de separação, distanciamento da
familia, para descobrirmos quem somos para além dela. Quando esta fase não se
processa da melhor forma, a parte de nós adolescente prolonga-se por mais
tempo, isto é, fica presa no tempo, não amadurece. Faz com que na idade adulta,
continuemos ainda em busca da nossa própria liberdade e independência, do nosso
próprio espaço, da nossa identidade. Atraimos relações de amizade e amorosas
com pessoas mais novas que se identificam com essa parte de nós que ainda tem a
idade deles, ou ainda podemos atrair pessoas que sentimos que limitam e
restringem a nossa liberdade.
É muito importante para os
pais perceberem o que se passa e darem a liberdade necessária para que os seus
filhos se conheçam, experienciem. Não deixarem de os acompanhar e orientar mas
darem-lhes espaço para a descoberta de um novo Eu. Só assim poderão se tornar
em adultos mais integrados e preparados para viver a fase seguinte.
Na idade adulta é quando
estamos preparados para assumir compromissos e responsabilidades. É suposto
sabermos o que queremos da vida, que projectos queremos realizar. É a fase de
construção dos nossos sonhos, de definirmos estratégias para os realizarmos.
Para que esta fase aconteça da melhor forma, seria bom que todas as outras
fases anteriores estivessem amadurecidas, assimiladas, entendidas, resolvidas.
Isto seria num mundo ideal. Não é o que acontece realmente. Só quando aceitamos
fazer um trabalho interno connosco próprios e resgatar essas partes de nós
perdidas no tempo é que é possível vivenciar a idade adulta de forma mais
plena.
Na terceira idade já
adquirimos algum distanciamento e sabedoria, já é suposto olharmos para a vida
de forma mais desapegada e tranquila. É a fase da apreciação de tudo o que
construimos. Mas também pode ser a fase em que nos arrependemos do que não se
realizou, do que ficou por dizer, por fazer. Tudo depende de como se viveram as
outras fases anteriores. É uma fase de aceitação e de pacificação interna com a
vida que vivemos.
A forma como vivemos cada
fase vai influenciar a forma como vivemos a nossa vida na idade adulta e como
educamos os nossos filhos.
Se ficámos presos ao “não
dar” e não aceitámos isto na nossa infância, provavelmente não nos permitimos a
receber da vida, dos outros, e muitas oportunidades são desperdiçadas porque
não nos sentimos merecedores delas, à altura das expectativas, ou podemos não
saber rejeitar o que não é bom para nós porque queremos receber tudo de todos;
ou podemos tentar dar tudo aos nossos filhos, não entendendo que isso só os vai
prejudicar quando se tornarem adultos, transformando-os em adultos frustrados e
insatisfeitos.
Se ficámos presos à
adolescência porque não conseguimos conquistar a nossa liberdade pessoal,
podemos vir a ter dificuldade em criar ligações mais íntimas com os outros porque
temos muita necessidade de espaço ou não saberemos dar espaço aos outros;
provavelmente vamos tentar ser amigos dos filhos, dando-lhes demasiada
liberdade, tornando-os em adultos pouco responsáveis ou então, não lhes damos
espaço suficiente para se descobrirem. Vivemos pelos extremos, adoptando uma
posição numa determinada situação e o oposto noutra situação.
Quando libertamos estas
partes de nós que estavam presas no tempo, as resgatamos, tomamos consciência
delas e fazemos paz com a experiência, encontramos o meio-termo, o nosso ponto
de equilíbrio, o nosso centro. Pacificamo-nos. Só assim nos poderemos tornar em
adultos íntegros e coesos.
Viver cada uma das várias
fases da nossa vida em pleno é essencial para a nossa realização interna, para
o nosso sucesso e paz interior. Só assim poderemos olhar para trás e ficarmos
satisfeitos connosco e com o que alcançámos. Só assim podemos chegar à nossa
última fase e nos pacificarmos com tudo o que vivemos.
Sandra Duarte
Stages of Life
These parts that are trapped may exist since the moment we’re in our mother’s
womb. Pregnancy itself is already an experience process for the being that is
being formed. This is where we begin to be programmed by our mother’s thoughts
and feelings and of the world around her, how she perceives it. Not all the
information we receive is genetic, another part is received through our
mother’s experience. Her fears and insecurities, emotions and feelings as she
experiences, her view of the world, her thoughts, etc, all is passed to us in
that stage. The first being, with whom we relate to, communicate, establish a bond,
is our own mother and it’s important that this is done in good conditions. This
is where we will experience how it is to be cared, nourished, loved, be safe, listened
to and understood. And it’s with her we learn to take care, to nourish, to
love, to provide safety, to listen and understand others.
The delivery, when it occurs, is the first of changes. This is where we
prepare ourselves for a great crossing and this isn’t always done peacefully.
The emotions and thoughts that our mother feels in this stage are passed to us
and prepare us for how we will confront ourselves whenever there are changes in
our lives. It also influences us on how we deal with death itself, others and our
own. If we face changes and death with fear or if we trust, accept and let
ourselves flow with it.
In our childhood we don’t always accept well the learning process. Each
one of the parents plays a role in our life. It’s with them we learn to receive
and to not receive, and this is not always done evenly. When we’re born into a
family, we receive all the attention. We get used to receiving love through the
gift of another, its expression of love for us. But we don’t always understand
when something is rejected, forbidden, denied to us. And this is where many of
us get trapped. We don’t understand that because we got used to seeing love in
the “giving” and not in the “not giving”, in the denial of something. And we go
to life, growing at different levels but that part of us that got trapped to
that perspective which we didn’t understand, remained with the same age, immature.
And whenever we’re denied something, we react like a child at that age, we cry,
we have tantrums. What is the lesson here? It’s to learn to see love when
something is denied to us, either by someone whether by life itself. Any denial
of something holds love inside. We’re denied something that is harmful to us or
which we are not yet prepared to receive. But we’re so trapped to the
association of love-giving, that we don’t understand that love-denial is also
valid. Only when we acknowledge this, we can pacify ourselves to all the times
we were denied something, choosing to see love instead.
Many of us didn’t live childhood in the best way. They were forced to
grow rapidly, to gain responsabilities too soon. And because of that, their
child part remained unlived, without experiencing, without playing. They even
lost touch with it. They became serious adults, responsible, who have
difficulty in living life in a more lightweight and playful way, and in doing
leisure activities beyond work. A part of their process involves rescuing that
child, make peace with it, love it and let it express itself creatively, let it
play.
To express our inner child in the best way is what makes us happy and good
about life. That’s when we have the freedom to dream, to create stories, real
or not, to develop our creative side, our more spontaneous side. This is the
part that many of us need to rescue to develop our creativity, which is the
engine that allows us to overcome obstacles and see the world in a new
perspective, in a more optimistic way. It assists us in focusing ourselves on
the present, like when we were children when time didn’t pass by and problems
didn’t seem to exist, or when they did, they easily were overcome and
forgotten. A good way to recover this part of us is to simply play with
children. They remind us rapidly of this lost part. Only then we can forget
temporarily any problems, opening the way to the more creative part of us. When
this happens, any problems may be easily overcome. Our creative side is the
bridge to achieve a wider perspective, capable of envisioning the way out of
problems. And for that we need to access the world of dreams, so easy for the
children.
Adolescence is when we go through various physical, psychological
changes and when we develop our relationship with ourselves and with a new group
other than the family. That’s when our identity is being formed. We need to
discover and conquer our own space. That’s the stage where we need to discover
our freedom, and that’s why being rebelious is part of the process. It’s the time to question who we are before
the family, the values, beliefs, concepts we adopted from it. To realize what we
want to take to life that we learned with our parents and what we don’t accept
to be anymore. It’s a process of internal revolution and that’s when more
arguings come up in the family environment, which doesn’t always accept this
new side of us. It’s a process of separation, detachment from the family, to
discover who we are beyond it. When this stage doesn’t process in the best way,
the adolescent part of us extends for a longer time, this is, remains trapped
in time, it doesn’t mature. It causes, in adulthood, for us to keep searching for our own freedom and
independence, for our own space, for our identity. We attract friendships and
love relationships with younger people who identify with that part of us that
still has their age, or even attract people we feel they limit and restrict our
freedom.
It’s very important for the parents to understand what’s going on and
give the necessary freedom for their children to know and experience
themselves. Not to stop following and orienting them but to give them space to
discover a new I. Only then may they become more integrated adults and prepared
to live the next stage.
In adulthood is when we’re prepared to make commitments and take responsabilities. We’re supposed to know what we want from life, what projects we want to accomplish. It’s the stage for building our dreams, to define strategies to accomplish them. For this stage to occur in the best way, it would be good if all previous stages were mature, digested, understood, resolved. This would be in an ideal world. It’s not what really happens. Only when we accept doing an internal work with ouselves and rescue those parts of us lost in time, that’s when it’s possible to live adulthood in a more fully way.
In old age we already acquired some detachment and wisdom, we’re
supposed to look at life in a more detached and peaceful way. It’s the stage of
appreciation of all we built. But it may also be the stage where we regret of
all that we didn’t accomplish, of what was left to say, to do. All depends of
how all the previous stages were lived. It’s a stage of acceptance and of inner
pacification with the life we lived.
The way we live each stage will influence the way we live our life in
adulthood and how we raise our children.
If we were trapped in the “not giving” and we didn’t accept that in our
childhood, probably we don’t allow ourselves to receive from life, from others,
and many opportunities are wasted because we don’t feel worthy of them, up to the
expectations, or we may not know how to reject what isn’t good for us because
we want to receive everything from everyone; or we may try to give everything
to our children, not understanding that it will harm them when they become
adults, turning them into frustrated and unsatisfied adults.
If we were trapped to adolescence because we couldn’t conquer our
personal freedom, we may have difficulty in creating deeper connections with
others because we have a great need of space or we may not know how to give
space to others; probably we will try to be friends with our children, giving
them too much freedom, turning them into less responsible adults or then, not
giving them enough space to discover themselves. We live through extremes,
adopting a position in a certain situation and the opposite one in another
situation.
When we free these parts of us that were trapped in time, rescue them, gain
consciousness of them and make peace with the experience, we find the middle ground,
our point of equilibrium, our centre. We pacify ourselves. Only then may we
become whole and cohesive adults.
Living each one of the various stages of our life in full is essential
for our internal accomplishment, for our inner success and peace. Only then can
we look back and be satisfied with ourselves and what we’ve accomplished. Only
then can we reach our last stage and pacify ourselves with what we lived.
Sandra Duarte
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